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Doenças e tratamentos

2012-01-15

Aneurisma Cerebral / Hemorragia Subaracnoideia

Um aneurisma cerebral ou intracraniano corresponde a uma área de uma artéria fragilizada, que resulta no abaulamento ou balonização de parte da parede do vaso. Geralmente, desenvolve-se nas bifurcações das artérias porque, estruturalmente, esta zona é mais vulnerável. Pode surgir, frequentemente, de condições como hipertensão arterial ou aterosclerose (deposição de gordura nas artérias), menos frequentemente de um traumatismo ou de uma infecção do sistema nervoso central ou, raramente, de uma doença congénita. Os aneurismas encontram-se geralmente na base do cérebro, na região do polígono de Willis, numa área chamada espaço subaracnoideu.  A aracnoideia e a pia-mater são as duas membranas mais internas que cobrem o encéfalo. A pia-mater adere à superfície do cérebro, enquanto que a aracnoideia é constituída por tecido conjuntivo com uma estrutura que lembra as teias de aranha. É entre estas duas membranas, no espaço subaracnoideu, que se encontram os grandes vasos cerebrais e, portanto, a maioria dos aneurismas intracranianos. A maior parte dos aneurismas são saculares, assemelhando-se a um balão. A rotura de um aneurisma resulta numa hemorragia subaracnoideia (HSA), em que o sintoma mais frequente e característico é a dor de cabeça súbita e intensa. Os aneurismas variam desde poucos milímetros até vários centímetros. Consideram-se gigantes quando maiores que 2,5 centímetros, sendo estes de risco particularmente acrescido e de difícil tratamento.

Prevalência e Incidência
A estatística mundial varia muito com o país e a demografia. Estima-se que cerca de 5% da população seja portadora de um aneurisma cerebral não roto, com uma taxa anual de rotura de cerca de 2%. Ocorrem cerca de 12 casos de HSA aneurismática por cada 100.000 habitantes por ano. Surgem em qualquer idade, mas a incidência aumenta depois dos 25 anos, sendo mais prevalente entre os 50 e 60 anos e 3 vezes mais nas mulheres. Estima-se que dois terços das pessoas que sofrem rotura de um aneurisma sobrevivem e, destas, 50% ficam sem quaisquer défices físicos permanentes. A re-hemorragia ocorre em cerca de 20% dos casos nos primeiros 14 dias após a rotura inicial.

Factores de Risco
•    Hipertensão
•    Tabaco
•    Diabetes
•    Consumo excessivo de álcool
•    Consumo de cocaína
•    Predisposição genética

Sinais e Sintomas
O sintoma mais comum da hemorragia subaracnoideia é uma dor de cabeça súbita e intensa, descrita como a ‘pior dor de cabeça da vida’. Muitos doentes não apresentam outras queixas mas vómitos, rigidez da nuca, confusão mental, alterações visuais, convulsões, diminuição da força num dos lados do corpo ou coma podem surgir associados.

Exames Diagnósticos
O prognóstico de um doente tratado com um aneurisma não roto é muito melhor o de um doente com um aneurisma roto. Nestes é desejável um tratamento precoce pelo que, a avaliação imagiológica em doentes com hipótese diagnóstica de aneurisma cerebral é essencial. A Tomografia Computorizada (TC/TAC) faz o diagnóstico de HSA na grande maioria dos casos. Ocasionalmente, é necessária a colheita de líquido céfalo-raquidiano através de uma punção lombar (PL) para confirmação deste diagnóstico. Posteriormente, o diagnóstico de aneurisma pode ser feito por angio-TC (TAC), por angio-RM (Ressonância Magnética) ou por angiografia convencional. Embora este último continue a ser considerado o ‘gold standard’, a visualização dos vasos cerebrais por TAC ou RM para o diagnóstico de aneurisma é cada vez mais utilizada em muitos Centros por serem exames não invasivos e fiáveis.

Complicações dos Aneurismas Intracranianos Rotos

A.    Complicações Precoces

Lesão cerebral directa
A lesão directa que o cérebro sofre no imediato resulta do aumento da pressão intracraniana (PIC) pela hemorragia, edema ou hidrocefalia aguda. O sangue que extravasa pelo aneurisma roto pode provocar um hematoma intracraniano ou drenar para o sistema ventricular, onde circula habitualmente o líquido céfalo-raquidiano (LCR). O sangue pode irritar, lesar ou destruir as células cerebrais circundantes, podendo causar alterações no estado da consciência – desde confusão mental ao coma – e/ou défices neurológicos focais como a dificuldade na mobilização de segmentos do corpo. Estas lesões cerebrais induzidas pela HSA podem ser transitórias ou irreversíveis. A morte imediata ocorre em 20 a 30% dos casos.

Re-hemorragia
O risco de re-hemorragia enquanto o aneurisma não for excluído da circulação é relevante e limita as opções terapêuticas no tratamento da HSA.

Edema Cerebral
O cérebro, tal como outras regiões do corpo, reage à lesão com uma resposta inflamatória, que pode resultar em edema cerebral e num consequente aumento do efeito de massa, conduzindo a uma deterioração tardia da condição clínica (2 a 5 dias). Como a caixa craniana é fechada, mesmo um edema ligeiro pode resultar num aumento importante da pressão intracraniana.

B.    Complicações Tardias

Vasospasmo Cerebral
O sangue no espaço subaracnoideu pode induzir vasospasmo, isto é, constrição das artérias cerebrais. Esta constrição leva a uma diminuição do volume de sangue que irriga o cérebro e pode resultar num enfarte cerebral. É a causa principal de morte tardia e de sequelas neurológicas nos doentes que sobrevivem inicialmente à rotura do aneurisma. O seu mecanismo continua sem estar completamente esclarecido. O vasospasmo desenvolve-se, habitualmente, 5 a 8 dias após a rotura inicial, mas o risco é real até ao 21 dia (geralmente 3 a 14 dias após a HSA, com pico entre o 7º e o 10º dias). Para contrabalançar os efeitos nocivos hemodinâmicos e tratar o vasospasmo, a pressão arterial é propositadamente aumentada com medicação. Pode ser necessário recorrer à introdução de microcateteres, administração de fármacos que revertam o vasospasmo e/ou dilatação directa das artérias com a insuflação de microbalões.

Hidrocefalia
O sangue de um aneurisma roto pode bloquear ou lentificar o circuito normal do LCR com o consequente aumento da pressão intracraniana. Ocorre, portanto, uma acumulação excessiva de LCR nos ventrículos cerebrais, que são as cavidades que o contêm. Pode ser necessária a colocação de um sistema de drenagem ventricular para remover este líquido em excesso. Nos casos em que a circulação do LCR normal não é restabelecida, uma drenagem permanente para o peritoneu poderá ser necessária (derivação ventrículo-peritoneal).

Complicações metabólicas, iónicas, infecciosas ou de outros órgãos e sistemas são frequentes e podem dificultar o tratamento e agravar o prognóstico.    O efeito combinado de todas as complicações provoca uma mortalidade para esta doença de 50% aos 30 dias. Desta forma, a obliteração com sucesso de um aneurisma roto deve ser imediatamente considerada e tendencialmente realizada o mais cedo possível.

Tratamento
O médico assistente deverá, sempre que possível, explicar e discutir com o doente ou seus familiares os riscos e benefícios de cada uma das possíveis opções terapêuticas, propondo a que considera mais adequada para o doente em questão. O risco cirúrgico e o prognóstico dependem do aneurisma estar ou não roto, das suas características (forma, tamanho, localização), da idade e da condição clínica e co-morbilidades do doente.

O tratamento da HSA por rotura de aneurisma pode implicar, entre outros tratamentos, o controlo farmacológico da tensão arterial, controlo da volémia, sedação, antiepiléticos, analgésicos, laxantes ou corticóides.

Regra geral, um doente com um aneurisma intracraniano roto deve ser tratado o mais cedo possível, seja por procedimento microcirúrgico ou endovascular. Nestes doentes, a exclusão do aneurisma de circulação é apenas o início do tratamento, que previne o risco de uma nova re-hemorragia. A escolha do método para tratamento do aneurisma deverá ser baseada nas características individuais do doente.

A. Tratamento Médico do Aneurisma
Em casos seleccionados, nos aneurismas não rotos, uma atitude de expectativa com uma vigilância clínica e imagiológica é uma opção aceitável, nomeadamente em doentes idosos, se o aneurisma for muito pequeno ou se tiver uma localização específica em que se julga existir um baixo risco de crescimento ou rotura. É ainda uma opção reservada para o tratamento de aneurismas não rotos em doentes com um risco cirúrgico e/ou anestésico elevados. Considera-se que o risco de rotura é inferior ao risco associado ao tratamento. É de referir, no entanto, que o risco de rotura de um aneurisma persiste imprevisível e a rotura de aneurismas pequenos está bem documentada, pelo que exames seriados com resultados idênticos ao longo do tempo podem dar uma falsa sensação de segurança.

O tratamento exclusivamente médico passa pela prescrição de medicamentos antihipertensores em doentes hipertensos, por não fumar e por cumprir uma dieta e um estilo de vida equilibrados. Estes são os principais factores conhecidos que podem estar implicados na formação, crescimento e/ou rotura de um aneurisma.

B. Exclusão do Aneurisma
B.1. Procedimento Microcirúrgico / Clipagem
Método utilizado em aneurismas rotos e aneurismas incidentais, em que é feita uma craniotomia (abertura cirúrgica do crânio) e isolamento do aneurisma da circulação cerebral. Esta exclusão do aneurisma da circulação é feita sob a ampliação de um microscópio cirúrgico, com a aplicação de um clip, que é uma peça de titânio com uma mola que se coloca na base do aneurisma. São permanentes e conferem, na grande maioria dos casos, um tratamento eficaz e definitivo. Posteriormente, um exame de imagem pode ser utilizado para confirmar a exclusão do aneurisma e a preservação da circulação normal encefálica.
Vantagens
•    Tratamento definitivo
•    Visualização directa do aneurisma (pode ter forma e tamanho complexos)
•    Capacidade de reduzir o efeito de massa do aneurisma após clipagem
•    Capacidade de avaliar pequenos aneurismas de outros vasos pequenos na área
•    Nos casos de HSA, permite a remoção de hematomas/coágulos em redor do aneurisma e base do cérebro, reduzindo a probabilidade de vasospasmo e hidrocefalia
•    Melhor opção em conformações aneurismáticas complexas
•    Melhor opção em aneurismas gigantes, de colo largo, conformação complexa ou mal definidos
Desvantagens
•    Procedimento invasivo
•    Risco de infecção
•    Complicações associadas à craniotomia
•    Possível lesão de outras estruturas durante a clipagem do aneurisma

B.2. Procedimento Endovascular / Embolização
No procedimento endovascular para embolização de um aneurisma com microespiras, é inserido um cateter na artéria femural da coxa e conduzido pelas artérias até ao aneurisma intracraniano. Um microcateter é introduzido dentro do aneurisma e, quando correctamente posicionado, é avançada uma espira/filamento extremamente flexível que se adapta à forma do aneurisma. Assim se evita que o sangue circule dentro do aneurisma e se promove a formação de um trombo.  
Os procedimentos endovasculares podem recorrer a microbalões que ajudam a manter as microespiras no saco aneurismático. Também a combinação de espiras com stents é possível e cada vez mais frequente. Um stent é um pequeno tubo flexível constituído por uma malha cilíndrica, que confere suporte para as microespiras. Alguns destes procedimentos implicam antiagregação para evitar a formação de êmbolos. São técnicas e inovações relativamente recentes, com tecnologia em constante desenvolvimento.
     Vantagens
•    Procedimento menos invasivo
•    Melhor prognóstico em doentes idosos e com co-morbilidades
•    Menor tempo de anestesia
•    Melhor opção em aneurismas de difícil acesso cirúrgico (circulação posterior)
•    Em aneurismas não rotos, menor tempo para o regresso à actividade laboral (1-2 semanas)
Desvantagens
•    Menor probabilidade de exclusão imediata e completa do aneurisma
•    A anatomia vascular do doente pode dificultar e mesmo abortar o procedimento
•    Maior probabilidade de o aneurisma recorrer
•    Possível lesão de outras estruturas durante a embolização do aneurisma
•    Seguimento mais longo para determinar se o tratamento foi definitivo

Prognóstico
A sobrevida, a recuperação e o prognóstico são variáveis. Globalmente, os doentes que se apresentam em boa condição neurológica tendem a ter uma melhor recuperação. Tal como nos doentes que sobrevivem a acidentes vasculares cerebrais (AVC) isquémicos, uma reabilitação prolongada que inclua terapia física, ocupacional, cognitiva e/ou da fala é, em muitos casos, essencial na recuperação de um AVC hemorrágico por rotura de aneurisma. Apenas cerca de metade dos doentes que sobrevivem a uma rotura de aneurisma cerebral recuperam o suficiente para retomar a sua vida laboral e social. A rotura de um aneurisma intracraniano continua a ser uma das doenças com maior mortalidade e sequelas neurológicas e/ou neuropsicológicas, que podem incluir:
•    Alterações do comportamento
•    Alterações cognitivas e de memória a curto prazo
•    Dificuldade na concentração
•    Depressão
•    Tonturas e fadiga
•    Dificuldade na motricidade fina
•    Cefaleia
•    Alterações na coordenação
•    Alterações na fala
•    Alterações visuais
•    Hidrocefalia tardia
•    Epilepsia

Para doentes com aneurismas não rotos e cirurgia não complicada, a recuperação é completa e rápida, embora este facto não deva desvalorizar a delicadeza e o risco associado ao procedimento, seja este microcirúrgico ou endovascular. O período de recuperação para retomar a actividade laboral é frequentemente de 4 semanas, mesmo com ausência de complicações e com um excelente resultado imediato.

BBC News

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