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Doenças e tratamentos

2012-01-19

Radiocirurgia

A Radiocirurgia é uma modalidade terapêutica recente que alia a precisão e a selectividade da Neurocirurgia Estereotáxica, a Neuroimagiologia Tridimensional (3-D) multimodal e a Radioterapia externa mais evoluída.
A Estereotaxia permite focar e atingir alvos de difícil acesso, mesmo de pequenas dimensões, situados na profundidade do corpo, sobretudo formações não móveis, como as situadas no interior do crânio. A Imagiologia 3-D proporciona a visualização in-vivo das estruturas somáticas mais remotas e, com a ajuda da estereotaxia, referenciá-las no espaço com grande rigor: desenhar a sua configuração, definir o seu contorno e determinar a sua localização precisa. O acoplamento de ambas à irradiação multifeixes, com o auxílio de equipamento e programas informáticos sofisticados, possibilita a formatação de feixes múltiplos de radiação, fixos ou móveis, centrados em alvos (isocentros) muito bem delimitados; isto significa irradiar com caracter muito electivo e seguro (doses altas de radiação no alvo e baixas nas estruturas à volta) qualquer que seja a sua situação. Os principais sistemas de Radiocirurgia existentes actualmente são: “Gamma-knife”, baseada em Radiocirurgia Conformacional com fontes fixas de radiação; Acelerador Linear (“Linac”) com colimador multiformato de microlâminas, que utiliza Radiocirurgia Conformacional dinâmica; e “Cyber-Knife”, que se serve de Radiocirurgia Conformacional multidireccional com um mini-linac montado num braço robotizado; este último não usa quadro estereotáxico fixado ao corpo, pelo que tem maior liberdade de movimentos mas ligeiramente menor precisão mecânica.
A Radiocirurgia permite concentrar uma elevada dose de radiação em volumes muito pequenos (desde < o,1cc), mesmo quando têm forma irregular e estão situados a grande profundidade, e provoca a sua inactivação, geralmente por radionecrose controlada. Daí a designação de Radiocirurgia que, tal como na cirurgia convencional, visa a destruição não invasiva de lesões; e que, tal como esta, é feita habitualmente num único tratamento. No entanto por vezes, para evitar a toxicidade da radiação (em alvos demasiado volumosos ou na vizinhança de estruturas sensíveis), tem de ser desdobrada em múltiplas fracções; é a Radioterapia Estereotáxica Fraccionada. A menor precisão 3-D da necessária relocalização estereotáxica pode ter como contrapartida uma maior inoquidade da radiação para os tecidos sãos adjacentes.
Com a Radiocirurgia podemos tratar lesões até cerca de 3 cm de diâmetro e 15 cc de volume; e lesões que podem ser únicas ou múltiplas, como metástases cerebrais: em geral até 3 ou 4 lesões, mas eventualmente mais se se tratar de lesões pequenas, sobretudo na ausência de alternativa terapêutica e a título oncológico paliativo (com ou sem Radioterapia convencional concomitante). Mas as principais indicações para a Radiocirurgia são as lesões intracranianas benignas, cujo tratamento por cirurgia aberta ou outras técnicas (endovasculares, etc) está contraindicado ou é manifestamente insuficiente. Estão aí incluídas Malformações Arteriovenosas (MAV), Neoplasias Benignas – Neurinomas, Meningeomas, Adenomas Hipofisários, etc – e mesmo algumas malignas, essencialmente metástases. Em todas estas situações a Radiocirurgia pode ser usada como primeira indicação ou como terapêutica complementar. É o caso das MAV parcialmente embolizadas, tumores incompletamente removidos ou recidivados, inclusivé alguns gliomas bem localizados, após esgotadas as terapias invasivas e a radioterapia convencional. Nalguns casos poderá ter até melhores resultados que a cirurgia aberta, como neurinomas de dimensão reduzida. E mesmo nalgumas lesões extracranianas tem cada vez mais indicação.
Consoante a patologia em causa, os meios imagiológicos envolvidos  na Radiocirurgia podem ser a TAC e a IRM, muitas vezes com fusão de imagens de ambas, e a Angiografia, obtidas em condições estereotáxicas. Isto implica a disponibilidade do equipamento especialmente adaptado e profissionais devidamente treinados. Implica também uma permanente actualização tecnológica mercê da constante evolução de equipamentos e programas informáticos. Todos estes instrumentos dependem, tal como a decisão e a execução de qualquer tratamento de Radiocirurgia do trabalho de uma equipa multidisciplinar. Esta compreende Neurocirurgião, Radioterapeuta, Neuroradiologista e físico de radiação, bem como o contributo de alguns técnicos paramédicos: enfermeiro, técnico de radiação, auxiliar.
A Radiocirurgia, como qualquer tratamento baseado em radiações não tem efeito terapêutico imediato. Requer por isso um “follow-up” de longo prazo, com exames clínicos e imagiológicos periódicos, em princípio de 6/6 meses: os resultados mais precoces não são expectáveis antes de vários meses após a Radiocirurgia, como por exemplo nalgumas metástases, e os mais tardios podem só surgir ao fim de 3 a 4 anos, como a exclusão completa das MAV mais difíceis.
Há ainda que contar com os efeitos secundários da Radiocirurgia: os iniciais (24-72h) são geralmente frustres e ligeiros (por exemplo cefaleias, tonturas, nauseas); os tardios, que surgem, por vezes, quando o efeito da radiação atinge o seu nível de “plateau”, podem requerer um tratamento médico mais enérgico durante várias semanas, embora sejam geralmente parciais e transitórios. Estes dependem fundamentalmente da dose total de radiação administrada na lesão e nos tecidos circundantes, que por sua vez varia em função da natureza da lesão tratada, da sua localização e da susceptibilidade individual. Em geral podem ir desde 12-13 Gy nalguns neurinomas do VIII nervo craniano até ao dobro destas doses em adenomas hipofisários secretores; e a muitas dezenas de Gy em casos de Neurocirurgia Funcional, como na nevralgia do nervo trigémio.
Os resultados terapêuticos da Radiocirurgia variam também em função da patologia tratada: mais de 90% de sucesso em metástases certebrais radiossensíveis, cerca de 75% em MAV de encerramento mais tardio e percentagens menores na terapêutica paliativa de certos tumores anaplásicos.
Em suma, a Radiocirurgia constitui um instrumento novo multidisciplinar, muito eficaz e não invasivo que, apesar do seu efeito diferido, tem um papel importante a desempenhar como alternativa ou complemento no tratamento de muitas situações patológicas, sobretudo lesões intracranianas em que não esteja assegurado o sucesso com as opções terapêuticas habituais.

BBC News

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